A NECESSIDADE DA ARTE


Milhões de pessoas lêem livros, ouvem música, vão ao teatro e ao cinema. Por que? Dizer que procuram distração, divertimento, relaxamento, é não resolver o problema. Por que distrai, diverte e relaxa o mergulhar nos problemas e na vida dos outros, o identificar-se com uma pintura ou música, o identificar-se com os tipos de um romance, de uma peça ou de um filme ? Por que reagimos em face dessas “irrealidades” como se elas fossem a realidade intensificada? Que estranho, misterioso divertimento é esse? E, se alguém nos responde que almejamos escapar de uma existência insatisfatória para uma existência mais rica através de uma experiência sem riscos, então uma nova pergunta se apresenta: por que nossa própria existência não nos basta? Por que esse desejo de completar a nossa vida incompleta através de outras figuras e outras formas? Por que, da penumbra do auditório, fixamos o nosso olhar admirado em um palco iluminado, onde acontece algo que é fictício e que tão completamente absorve a nossa atenção?
É claro que o homem quer ser mais do que apenas ele mesmo. Quer ser um homem total. Não lhe basta ser um indivíduo separado; além da parcialidade da sua vida individual, anseia uma “plenitude” que sente e tenta alcançar, uma plenitude de vida que lhe é fraudada pela individualidade e todas as suas limitações; uma plenitude na direção da qual se orienta quando busca um mundo mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha significação. Rebela-se contra o ter de se consumir no quadro da sua vida pessoal, dentro das possibilidades transitórias e limitadas da sua exclusiva personalidade. Quer relacionar-se a alguma coisa mais do que o “eu” , alguma coisa que, sendo exterior a ele mesmo, não deixe de lhe ser essencial. O homem anseia por absorver o mundo circundante, integra-lo a si; anseia por estender pela ciência e pela tecnologia o seu “eu” curioso e faminto de mundo até as mais remotas constelações e até os mais profundos segredos do átomo; anseia por unir na arte o seu “eu” limitado com uma existência humana coletiva e por tornar social a sua individualidade.


Texto retirado de :
Fischer, Ernest - A necessidade da Arte - Círculo do Livro - São Paulo –
Páginas 12-13

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